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Entrevista com o Escritor Turco Orhan Pamuk
Entrevista com o Escritor Turco Orhan Pamuk

ENTREVISTA com Orhan Pamuk

 

Primeiro turco a ganhar o Nobel de Literatura.

 

 

O senhor foi ameaçado de prisão por falar do genocídio de armênios promovido pela Turquia Otomana na I Guerra Mundial. O processo, porém, foi interrompido no início do ano. O senhor hoje se sente livre para falar sobre o tema?

Sim, mas não tenho vontade de falar sobre isso.  A maior punição que o Estado turco poderia impor a mim seria esta:  me obrigar a falar só sobre esse tema nas entrevistas, e não sobre meus livros.

 

 

O processo diz respeito a um problema que aflige todos os escritores:  A liberdade de expressão.

Sim.  A Turquia tem problemas com a liberdade de expressão. O país está enredado no artigo penal 301, que perseguiu não só a mim, mas muitos outros autores (o artigo permite caracterizar como crime contra a nacionalidade qualquer referência ao genocídio armênio). A maioria desses casos não resulta em prisão, mas a lei é utilizada por políticos fascistas, da ultradireita nacionalista, na tentativa de intimidar as pessoas.

 

 

A crítica vem dizendo que NEVE é seu livro mais político, o senhor concorda?

No limite, tudo é político, e, portanto, todos os meus livros são políticos, ainda que de uma forma sutil. Neve é o único dos meus romances em que essa dimensão é mais explícita. Mas ele também trata do sentido da vida, da arte, da poesia, das escolhas que fazemos no campo da moral e do amor.

 

 

O personagem principal do livro, KA, é um poeta que acaba se envolvendo em polêmicas contra a vontade. É um alter ego seu?

Não diria que ele é um alter ego, mas me identifico, sim, com Ka – e passei a me identificar ainda mais depois do processo contra mim. Ele é um homem dilacerado, dividido, um artista que se torna uma espécie de mediador entre as várias facções políticas turcas, mas ao mesmo tempo vive sob a cobrança de não ser turco o suficiente, de não ser religioso o bastante, de não ser “um de nós”. São cobranças que me fazem também. Sou Ka em certo sentido.  Mas sou mais feliz, mais bem-sucedido – e mais sorridente.

 

 

Ka parece uma espécie de ateu descontente, que gostaria de acreditar em Deus. O senhor também é assim?

Ka precisa de religião, mas não está contente com a religião que lhe é oferecida. Já senti isso também. Ele não simpatiza com as obrigações sociais que acompanham a vida religiosa nem com as ideias islâmicas sobre, por exemplo, o lugar da mulher na sociedade. A religião na Turquia, hoje, é algo comunitário, a ser desfrutado sempre com um grupo de pessoas. O Islã é uma religião social. Ka está mais próximo do intelectual ocidental moderno:  uma pessoa solitária que, em seu quarto, isolada, julga os livros que lê e escreve seus próprios poemas.

 

 

Outro personagem fascinante do livro é Azul, o líder islâmico que adora a fama. Os fundamentalistas turcos gostam mesmo de aparecer?

Sim. Fundamentalismo é política, e todo político adora a mídia.  Os fundamentalistas turcos usam e abusam da mídia.  Há uma certa diferença entre o fundamentalismo de um Bin Laden e aquele que encontramos na Turquia.  Bin Laden limita-se a jogar bombas e matar pessoas.  Os fundamentalistas turcos atuam mais no campo político real, na busca de eleitores.  Nesse sentido, são mais modernos.

 

 

A secularização na Turquia foi um processo bem-sucedido?

O Estado laico da Turquia foi inspirado pela França.  Mas, quando os franceses decidiram que o Estado deveria ser laico, não religioso, estavam tentando corrigir uma longa história de conflitos religiosos.  A secularização turca, porém, não surgiu de um desejo da população do país.  Isso já foi um problema maior.  Hoje, o Estado laico já é parte da identidade nacional da Turquia.  Alguns turcos se sentem incomodados com isso, mas a maioria assume o estado secular e gosta disso.  Não acredito que exista realmente o perigo de algum movimento anti secular ganhar  espaço na Turquia.

 

 

A polêmica proibição de símbolos islâmicos como o manto sobre a cabeça em escolas e universidades turcas deveria ser suspensa?

Autorizar ou não o lenço cobrindo o cabelo é irrelevante.   O fato é que isso nunca deveria ter se convertido em um problema político.  Sou crítico da intolerância do Estado turco no que concerne aos lenços, mas também critico o uso político abusivo que os fundamentalistas islâmicos fazem do assunto.  É o que mostro em Neve:  enquanto os homens fazem política, são as mulheres que sofrem.

 

 

A Turquia tem um lugar na União Europeia?

A questão é saber se a Europa deve ser identificada pelo cristianismo ou por igualdade, fraternidade, liberdade – os grandes ideais da Revolução Francesa.  Se você acredita nesses ideais, então a Turquia tem, sim, seu lugar na Europa.  Se o cristianismo é o que define o europeu, então a União Europeia terá limites mais paroquiais – e a Turquia ficará de fora.  Eu acredito que a Europa se revelou atraente para todo o mundo não por causa da religião, mas da modernidade.  A modernidade é baseada na liberdade de expressão, na democracia.  Uma União Europeia que abrigasse um país de maioria islâmica poderia desenvolver uma grande sociedade, com maior tolerância e entendimento entre seus diferentes povos.  Seria um grande exemplo para o mundo.  Mostraríamos que não existe um choque de civilizações entre Oriente e Ocidente, que, com respeito aos direitos humanos, as civilizações podem se combinar de forma harmoniosa.

  

Fonte:  Revista Veja/Jerônimo Teixeira

  

NOTAS: 

A Turquia ainda não é membro da União Europeia  

Ainda permanece a mesma posição de negação do genocídio.