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Entrevista com Ana Minuto, Consultora de Negócios
Entrevista com Ana Minuto, Consultora de Negócios

ENTREVISTA COM ANA MINUTO

"Meu objetivo é mostrar que somos grandiosas"

Consultora de negócios lança livro com foco em mulheres negras empreendedoras

Livro: A POTÊNCIA — Empreendedorismo da Mulher Negra

 

Por que as mulheres e o povo negro são tão potentes, mas muitas vezes não conseguem ultrapassar certas barreiras? Foi esse questionamento que fez Ana Minuto, 46 anos, redirecionar sua carreira. Após acompanhar o engajamento da mãe na ONG Fala Negão, Fala Mulher durante a infância, ela decidiu deixar de lado o mercado tradicional na área de tecnologia para abrir a Minuto Consultoria — uma das primeiras no Brasil a trabalhar o desenvolvimento humano com foco na população negra.

— Temos que estar onde nosso coração está — afirma, ao justificar a mudança de rumos.

 

Com palestras, cursos e coaching, seu objetivo é desenvolver, principalmente, a autoestima de seu público, com foco na carreira. Netflix, iFood, Avon e Google são algumas das empresas nas quais Ana já ministrou projetos de inclusão e diversidade. Agora, expande seu trabalho para a literatura com a coordenação editorial da obra A POTÊNCIA: EMPREENDEDORISMO DA MULHER NEGRA (Editora Conquista). O livro conta com 14 coautoras, que dividem suas vivências e dão dicas para quem quer seguir o mesmo caminho.

— Meu objetivo é mostrar que, apesar de termos menos acesso às oportunidades, somos potentes e grandiosas — ressalta.

 

 

Quais são as especificidades de orientar afroempreendedores?

 Existe um primeiro limitador, que é mental: "Não é para mim". A população negra não vê pessoas negras sendo coach ou tendo empresas de milhões de reais, então nem pensa que é possível. Existe uma barreira in visível. O maior desafio é a autoestima. É ela que te faz arriscar, ir para cima. Mas os negros são treinados para não gostar de si, do seu nariz, da sua cor, acreditar que sua história não é válida. Já entram no mercado de trabalho dessa forma. Tem ainda a questão financeira, a maioria faz o que dá. A educação é o caminho para a libertação, mas a que temos hoje não nos permite o básico. Quem não tem acesso, não tem informação de qualidade para se apoiar. E, por fim, networking. Se você conhece certas pessoas, elas vão te indicando no meio profissional. Geralmente, as pessoas pretas não se relacionam com quem ocupa estes espaços, o que gera dificuldade de captação de recurso e de cliente, por exemplo. Enfim, se você não se enxerga, não consegue criar. É subjetivo, mas é demonstrado de forma subliminar em todos os lugares.

 

 

Como as empresas podem se tornar mais inclusivas e diversas?

Em primeiro lugar, com o reconhecimento de que temos problemas. Sou racista, machista, homofóbico. Por quê? Porque nasci em uma sociedade assim, é impossível não ter esses vieses. Conscientização de que temos 522 anos de país e 74% desse tempo foi um período escravocrata. Então, não ver negros nos lugares é normatizado. Também é preciso sensibilização. Não tem como você saber, como mulher branca, a dor que eu sinto, mesmo que eu conte para você. Falar sobre o assunto vai fazer com que as pessoas se tornem mais próximas. Tentam eliminar nossa história, é normal a população negra não saber a origem da família. Se você não sabe de onde veio, também não sabe para onde vai.  Além disso, treinamento. E punições. O ideal seria que não fosse assim, mas, como o capitalismo foi criado, só vamos conseguir mudar através do capitalismo também. As maiores dificuldades nas contratações das empresas são os gestores médios, que muitas vezes não querem ter problema e relutam em atuar na mudança dos processos.

 

 

Como surgiu a ideia de escrever o livro? Quais foram os critérios de seleção das coautoras?

Sempre ouvia homens brancos falando de empreender. Ficava pensando: por que não escrever um projeto focado na população negra? E então a editora Conquista entrou em contato. Todas nós, mulheres pretas, temos histórias parecidas. Muitas vezes viemos do mesmo lugar, mas cada uma ressignifica sua dor de forma diferente. Nenhuma das 14 autoras pode dizer que não passou por racismo. Pode não ter visto, mas passou. Busquei mulheres que inovaram seus negócios e o objetivo é fortalecer a história e a autoestima delas. São mulheres que me ensinaram muito, principalmente sobre o que é empreender.

 

 

Você diz que pretende falar de empreendedorismo sem romantização. Em que sentido?

No Brasil, a maioria das pessoas começa com o bolso zerado. É um caminho árduo, tortuoso e cansativo, mas costumamos ouvir que é lindo, fácil: "Trabalhe enquanto eles dormem". Parece que é só abrir um negócio e faturar milhões. Trouxemos os desafios diários que vivenciamos, que são diferentes do que é falado por aí.

 

 

Frente a tantos desafios, é possível falar em romantização do afroempreendedorismo?

Com certeza, há uma romantização das dificuldades que as pessoas negras passam. Mas também somos educados a não falar que estamos com problemas, que não conseguimos vender, que estamos sem dinheiro. No próprio afroempreendedorismo tem gente que não quer ver. E, ao mesmo tempo, não falamos o suficiente de pessoas pretas bem-sucedidas. Pessoas pretas que passam dificuldades são a maioria do Brasil? Sim, mas, se você só fala disso, limita a possibilidade da pessoa enxergar novos caminhos. Por isso também decidi lançar um livro sobre mulheres pretas de sucesso. Quando vamos começar a contar as histórias grandiosas dos nossos?

 

 

Sabemos que muitas pessoas recorrem ao empreendedorismo por necessidade. Que conselhos você costuma dar a elas?

Quem empreende por necessidade costuma enfrentar desafio da falta de conhecimento do negócio. Isso dificulta pensar estratégia e fazer networking. O que eu sempre indico é que a pessoa se dedique, estude. Precisa de autoconhecimento, entender tecnicamente o negócio, calcular o tempo de retorno. Se organizar. O branco não tem o limite da raça, então já está na frente, mas para todos há a dor de lidar com as emoções, receber muitos "nãos", viver mês que tem dinheiro e mês que não tem. Demora até conseguir trilhar uma recorrência financeira. Importante também se cercar de pessoas que vão te ajudar. Seja com indicação, sugestão de produtos e clientes.

 

Fonte: Revista Donna/Luísa Tessuto em 17/07/2022