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Entrevista com Augusto de Campos–Poesia Concreta
Entrevista com Augusto de Campos–Poesia Concreta

LITERATURA CONTRA O EFEITO SÉPIA – PARTE 2

 

AUGUSTO DE CAMPOS, POESIA CONCRETA EM CARNE E OSSO.

 

Entrevista:  Ícone concretista fala sobre o livro novo, Noigandres, o cânone, internet e, é claro, sobre poesia.

 

Um dos criadores e um dos ícones da chamada poesia concreta, parida nos intensos anos 1950 e turbinada nos vertiginosos anos 1960, junto com o irmão Haroldo e com Décio Pignatari, Augusto de Campos continua na ativa.  Acaba de lançar o livro “Outro”.  A sua trajetória já se confunde com a da poesia brasileira contemporânea.  Para ele, o poema tem uma tecnologia, um desenho, uma diagramação, um significante, um significado e uma materialidade.  Nesta entrevista, o poeta se concretiza na página.  Todo.

Aos 84 anos, o senhor acaba de lançar “Outro”, com uma dedicatória aos parceiros de Noigandres.  O concretismo ainda está presente na sua poesia ou se tornou objeto de memória e biografia?  Que outro é esse que se dá a ver nesse livro que vem depois de mais de uma década?

Sou o único sobrevivo dos Noigandres.  É natural que eu queira homenagear os que já se foram.  A poesia concreta que sobreviveu comigo não é exatamente a ortodoxa, da década de 1950-1960.  Ela já não era a mesma quando Décio Pignatari anunciou, em 1963, o “salto participante”.  Depois, vieram muitas outras expansões.  Os meus “popcretos” e os poemas semióticos de Décio.  Os poemas permutacionais, as concreções semânticas das Galáxias de Haroldo.  As experiências em vários suportes, poemas tridimensionais, videográficos e holográficos, as animações digitais.  Nos meus poemas em cores de 1953 (“Poetamenos”) eu já clamava por “luminosos” ou “film-letras”.  Outro é a última fase da transição do poema do papelespaço para o ciberespaço, no quadro maior do projeto “verbivocovisual”.

 

                                        

 

O senhor vem de ganhar o Prêmio Pablo Neruda, no Chile.  Cumpriu-se o ditado de que o herético de ontem é o canônico de hoje?  Depois de criticado e rejeitado, o concretismo hoje faz parte do cânone?

Uma lei elementar da comunicação afirma que o belo é julgado pelo código de convenções vigente.  O que extrapola esse código é de início rejeitado.  A poesia concreta não fugiu a essa regra.  Mas ela ainda hoje causa polêmica e os seus participantes ainda são marginalizados pela tática do anonimato.  Fala-se, “os concretistas”, sem nomeá-los.  Só aos poucos vão-se identificando as personalidades.  Foi preciso o reconhecimento internacional para que passassem a respeitar-nos.  Assim, a poesia concreta faz parte, antes, de um anticânone de poetas, “à margem da margem”.

As editoras rejeitam livros de poesia.  Diz-se que não há mais leitores de poesia.  Mas entre os autores brasileiros mais citados e admirados estão vários poetas.  Qual é o mistério da poesia:  ser amada sem ser lida?  Ser lida em fragmentos sem fazer vender livros?

Mesmo consumida por públicos menores, a poesia sempre foi amada e profusamente praticada.  Com os recursos da tecnologia, é c ada vez mais fácil editar poemas, sejam impressos ou digitalizados.  E a poesia parece ressuscitar, em livro ou não.  Nunca vi tanta poesia como vejo na internet ou em edições de autor.

A poesia está morta, viva ou vive como um espectro?  A Internet, o virtual e o ciberespaço abrem um novo universo para a poesia?

A Internet democratizou a literatura com seus sites e blogs e a poesia nunca teve tanto espaço como no ciberespaço, vingando-se da escassez da mídia impressa, que se fechou para a poesia.  Eu mesmo há anos quase só publico na Web.

 

                  

 

A “verbivocovisual” da poesia ainda é essencial na sua obra?  A disposição gráfica das palavras nas páginas ainda lhe é fundamental?

Absolutamente necessário.  Meus três últimos livros de poesia, “Despoesia”, “Não” e “Outro”, foram criados em computador e em muitas grafias, vários deles sonorizados por meu filho, o músico Cid Campos.  Em 1995 lancei com ele o CD “Poesia É Risco”, e com a colaboração do videoartista Walter Silveira, o multimídia “verbivocovisual” de mesmo nome, apresentado pela primeira vez aqui, no Festival Porto Alegre em Cena daquele ano.

O concretismo conseguiu a façanha, nos anos 1960, de ser ao mesmo tempo um movimento estético radical, altamente experimental e engajado sem fazer concessões ou apologias ideológicas.  A época não estava preparada para entender o que vocês estavam fazendo?

Adotamos o lema de Maiakóvski, “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”.  A poesia concreta se tornou mais comunicativa.  Um poema como o meu “Luxo”, onde as palavras são articuladas para formar o oposto “lixo”, teve grande difusão, e só não foi entendido por uns poucos críticos que o viam pela ótica do realismo socialista staliniano.

Outro, mais uma vez, opera com “intraduções” e “outraduções”.  Pode explicar isso para jovens e velhos leitores não conceituais?

São intervenções que iniciei nos anos 70 com a “intradução” de duas linhas do trovador Bernart de Ventadorn e o “profilograma” Pound/Maiakóvski que superpõe os perfis dos poetas desenhados por Brzeska e Ródtchenko, num ideograma sem palavras.  Eu já fundia aí poesia concreta e “conceito”.  Propunha uma reflexão crítica sobre as palavras interpostas da tradução ou os perfis superpostos.  As “outraduções” são uma variante “ready made” dessas produções – o que os músicos costumam chamar de “remix”.

Poesia para o senhor é performance, diagramação, design, tecnologia, interpretação.  Músicos como Chico ou Caetano roubaram a poesia dos poetas tradicionais, os poetas sem voz e só com papel?

Como diz o refrão, “cada macaco no seu galho”.  Os cancionistas (que não se intitulam poetas) são excelentes no que fazem.  Mas não estão acima dos poetas que não fazem canções.  Noel Rosa foi contemporâneo de Drummond.  Cole Porter de Cummings.  Bob Dylan não é Dylan Thomas.  E a poesia pode não cantar, mas pode ter voz como nas belas leituras de Joyce, Pound, Dylan Thomas...

Eu releio seu poema “Pós-tudo” e fico mudo de perplexidade.  Ainda que a pergunta seja boba:  é o maior achado da sua poesia?

Houve quem detestasse “Pós-tudo” e houve até quem o transformasse num rap.  Hoje chega a ser um “hit” de livros didáticos, só perdendo para “Luxo”...

O Brasil ainda tem grandes poetas capazes de falar e dizer muito?

Um país que teve Gregório de Matos, Sousândrade, Augusto dos Anjos, Kilkerry, Oswald, Drummond, João Cabral, já mostrou do que é capaz.  Para mim, “Life”, de Pignatari, por exemplo, é um dos maiores poemas do século XX.  Um enorme biopoema existencial numa cápsula atômica vocabular.  Não há desculpas para que o mundo não o reconheça, até porque foi criado em “língua geral”.  Se ainda não o perceberam é porque pertencemos ao “anticânone” e porque, como escreveu Mallarmé, “os contemporâneos não sabem ler”...

 

Fonte:  Correio do Povo/Caderno de Sábado/Juremir Machado da Silva

Em 05/09/2015