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Leonardo da Vinci: Um Gênio da Humanidade
Leonardo da Vinci: Um Gênio da Humanidade

LEONARDO DA VINCI

 

A AURA DE UM GÊNIO TOTAL

 

Considerado um dos maiores gênios da humanidade, Leonardo da Vinci morreu em 2 de maio de 1519: 2019 marca os 500 anos desse artista intemporal que precisa ser lembrado a cada instante, pois a sua obra é incontornável.

 

Em um dos momentos mais agudos da crise do humanismo, neste ano comemoramos os 500 anos da morte do grande gênio italiano Leonardo da Vinci (1452-1519). Pintor, filósofo, engenheiro, inventor, planejador, arquiteto, poeta, anatomista, escultor, homem de espírito universal, foi um dos faróis da Renascença e ainda é o arquétipo do conhecimento, arte e sabedoria. Sua biografia é muito contemporânea e atual. O filho ilegítimo de uma história de amor entre Messer Piero da Vinci, escrivão, chanceler e embaixador da República Florentina, descendente de uma família rica de notáveis italianos, e Caterina, uma camponesa da modesta Anchiano, pequena aldeia toscana, recebeu uma instrução heterogênea e não estruturada, desprovida de qualquer verdadeiro sistema ou de um plano preciso.

 

Mesmo não sendo uma figura maldita, ele nunca representou qualquer ortodoxia estética ou intelectual. Confessou inescrupulosamente seu desconforto com as letras e até com a linguagem, definindo-se como “homem sem letras”. Sua maneira de escrever era, de fato, bastante estranha: nascido canhoto, quando foi forçado a usar a mão direita, começou a escrever ao contrário! Quando saiu de Florença para Milão (1492), teve dificuldade em falar e se fazer entender, especialmente porque não sabia latim e grego suficientemente. Falando em linguagem “vulgar”, aquele que antecipou a chegada do italiano, sempre recusou a metafísica e a abstração em nome do conhecimento corporificado, da paixão, da curiosidade e especialmente da experiência. De certa forma, sua maneira do fazer é mais uma reminiscência do artesanato do que da ciência, da experiência do que da teoria, do ecletismo, não da especialização tão na moda hoje em dia.

 

“Minhas coisas são o resultado da minha experiência e não a palavra dos outros”, disse ele. Assim, foi um grande precursor da modernidade, com suas descobertas sobre máquinas voadoras, a centralidade e o calor do sol, roupas de mergulho e muitas máquinas prenunciando a revolução industrial. Um cientista com alma, pode-se dizer. Não é coincidência que uma de suas obras-primas mais famosas, a GIOCONDA (1503-1506), o retrato mais famoso do mundo, deva parte de sua fama à maneira como o autor lhe conferiu uma humanidade sensual e emocional, em perfeito equilíbrio entre as formas e amente, a razão e os sentidos, a realidade física e o imaginário. A pintura é para ele a filosofia mais completa porque permite dar conta do visível enquanto força seus limites materiais e suas potencialidades. Além disso, pode tornar a beleza eterna preservando-a dos efeitos do tempo. Assim, manifesta simulacros que podemos habitar – mundos aparentemente fictícios, mas reais, a meio caminho entre nós, a natureza e obras de arte. Num cotidiano encantado.

 

A sua vida nem sempre foi fácil, ao contrário. Em 1476, com outros três homens, foi acusado de sodomia em Jacopo Saltarelli e, antes de ser absolvido, teve de passar dois meses na prisão. Seus muitos irmãos e irmãs conseguiram excluí-lo da herança familiar por sua natureza de filho ilegítimo. Ele nunca foi recebido pela Igreja de braços abertos porque estava longe do catolicismo. Além disso, o seu estilo estético discreto o afastou de seu rival, o mais jovem Michelangelo Buonnarroti, de modo que ele não foi um dos artistas convocados para os afrescos da Capela Sistina.

 

No entanto, isso não o impediu de marcar seu tempo, permanecendo atento a todas as inovações em torno dele, mas sabendo como proteger-se daquilo que o incomodava. Foi assim que conseguiu pintar A ÚLTIMA CEIA (1495-1498): às vezes, trabalhando sem parar e sem comer; outras, parando por alguns dias. Certamente, inspirando-se no que já havia sido feito nesse sentido, mas também com toques pessoais, como a escolha de reunir em grupos de três os discípulos ao lado de Cristo e cristalizar na obra o momento em que Ele diz: “Um de vocês vai me trair”. Em muitos Aspectos, há também a antecipação de linguagens como as que seriam as das histórias em quadrinhos e do cinema, com um drama, uma história, uma vida que emana das cores, dos traços e das formas. Se Leonardo sempre foi muito atento à razão das coisas – em suas palavras, “nenhum efeito da natureza é sem razão” – também vislumbrou a força do imaterial e do invisível: uma grande parte de suas pinturas, desenhos e invenções tem um caráter maravilhoso.

 

Uma análise atenta mostra que até mesmo seu HOMEM VITRUVIANO (1490) é dotado de uma aura. Foi o momento de afirmar, pela primeira vez na história, que o ser humano estava no centro do mundo como medida de todas as coisas. Isso foi para ilustrar um tratado fundamental da arquitetura antiga escrito pelo arquiteto e engenheiro romano Vitruvius. Graças ao seu desenho, o ponto de partida simbólico da modernidade, do humanismo e da ciência ocidentais, ficou claro até que ponto o indivíduo seria o ator principal do mundo, como ele dominaria tudo a partir de si mesmo, de seu corpo e sua razão. Essa efígie é tão famosa que hoje é impressa na moeda europeia, o euro, em sua versão italiana.

 

Essa obra foi também, muito além da mente de seu criador – humilde e ligado à natureza e à vida cotidiana – o pretexto para impor a razão humana a tudo o que lhe é estranho, até para apoiar a devastação do mundo que se manifestou durante meados do século XX com as Guerras Mundiais, a explosão da bomba atômica e dos campos de concentração. O desvio de sua herança fica exatamente no fato de ter destacado as artes e o conhecimento da experiência vivida, em nome de ideologias abstratas e metafísicas mais fortes e maiores que a humana, tendo finalmente a esmagado. Leonardo da Vinci desconfiava muito dessas posturas racionalistas desencarnadas. De fato, o seu trabalho não é apenas uma ferramenta poderosa para entender o mundo, para agir sobre o mundo e manifestar a beleza do mundo, mas, acima de tudo, é um convite para dançar com o mundo, integrando o sonho, o fantástico e o maravilhoso ao que é atual e cotidiano. Olhe bem para ele, imagine-o movendo-se como na fantasia desse gênio total: O HOMEM VITRUVIANO é um tratado de coreografia!

 

Fonte: Correio do Povo/CS/Vincenzo Susca/ Diretor do Departamento de Sociologia da Universidade Paul-Valéry (Montpellier, França). Publicou recentemente pela editora Sulina os livros “Pornocultura” (2017, com Claudia Attimonelli) e “Afinidades Conectivas: para compreender a cultura digital” (2019).