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Seleção Russa de Cinema e Literatura
Seleção Russa de Cinema e Literatura

SELEÇÃO RUSSA

 

10 Filmes e 12 Livros para aproveitar a temporada de Copa do Mundo e conhecer – ou revisitar – obras de arte produzidas por uma das mais vigorosas tradições culturais,

 

Com a Copa do Mundo na Rússia se aproximando, nada mais justo do que lançar um olhar sobre a produção de uma das mais vigorosas culturas artísticas do planeta.

 

No campo da literatura, a Rússia foi o berço de alguns dos principais escritores do estilo realista, com seu olhar amplo e totalizante que pretendia abarcar não apenas um grande panorama ficcional, mas dizer algo sobre a Rússia enquanto sociedade.

 

A grande literatura russa do século 19 não se furtava a um debate que era o da própria sociedade russa: a arte europeia, transplantada para o território, tinha mesmo algo que o povo russo podia reconhecer como próprio ou era apenas a imposição de uma cultura estrangeira (muito influenciada pelas e germânicas) que havia sobrepujado a cultura eslava original?

 

O debate opôs gênios do calibre de Ivan Turguêniev (1818-1883), para quem a Rússia deveria abraçar a forma do romance com entusiasmo – e que, não por acaso, era considerado por muitos de seus contemporâneos como um autor muito mais francês do que russo – e Liev Tolstói (1828-1910), para quem a grande literatura russa representava um decisivo “desvio de formas europeias”.

 

A literatura russa é produzida por autores que tentam pensar a própria identidade de seu país, mas que, ao fazerem isso, vibram uma corda íntima universal capaz de arrebatar leitores de outras épocas e origens geográficas. São tramas universais sobre a própria aldeia (às vezes, literalmente) – para lembrar uma frase, formulada originalmente por Tolstói, que foi repetida a ponto de se tornar um clichê.

 

Embora já houvesse diretores experimentando a novíssima tecnologia no período czarista, o salto artístico do cinema russo tem suas origens ligadas à Revolução de 1917 – que representou, a seu modo, um impulso de modernidade num país cuja matriz econômica e social ainda era camponesa.

 

Após o estabelecimento do regime soviético, os bolcheviques foram rápidos em perceber o valor do cinema como arte de propaganda e incentivaram a produção local – englobando não apenas russos, mas georgianos, armênios, lituanos e bielorrussos. É nesse período que entram em atividade nomes como Sergei Eisensteins (1898-1948) e Dziga Vertov (1896-1954), pioneiros no estabelecimento de técnicas que se tornaram parte da gramática do cinema como forma narrativa.

  

FILMES CLÁSSICOS, LIVROS BREVES

 

A equipe do Segundo Caderno selecionou um conjunto de 12 livros e 10 filmes para conhecer (ou revisitar) a rica herança cultural russa. Para a escolha dos filmes da relação que pode ser lida abaixo, optou-se por uma seleção que abrange clássicos de diversos períodos e que dão um apanhado da trajetória do cinema russo. Os títulos recomendados contemplam um século de obras-primas, como SOLARIS, até exemplares contemporâneos, como ANNA KARENINA: A HISTÓRIA DE VRONSKY, de Karen Shakhnazarov, uma imaginária sequência do clássico ANNA KARENINA, de Tolstói, em que o filho da personagem procura, anos depois, o amante de sua mãe, o Conde Vronsky, para ouvir seu lado da história.

 

A lista de livros seguiu um projeto diverso, mais focado em apresentar a grandeza da literatura russa do que em esgotar seus grandes clássicos. A ideia foi apresentar títulos que poderiam ser bons cartões de apresentação para a obra de gigantes da literatura. Não é preciso começar Tolstói por GUERRA E PAZ ou Dostoiévski por OS DEMÔNIOS, duas obras imprescindíveis, mas alentadas. Por isso, listamos novelas breves de ambos os autores, bem como textos de outros mestres.

 

A relação se amplia para abarcar nomes menos conhecidos do grande público e ainda avança até Viktor Pelevin, autor contemporâneo que se tornou o grande cronista ficcional da queda do regime soviético. Como nos filmes não havíamos indicado documentários, também se privilegiou nesta relação os textos ficcionais.

 

INTRODUÇÃO À LITERATURA RUSSA

 

Lista de Livros selecionados reúne títulos breves e menos conhecidos de grandes autores que podem servir de pontos de partida.

 

1. O Capote e Outras Histórias (1842), de Nikolai Gógol

 

Série de contos em que, com uma prosa límpida e toques de realismo fantástico, Gógol satiriza dois dos principais aspectos da sociedade russa de seu tempo: o arcaísmo pesado da vida dos camponeses e a rígida etiqueta hierárquica da casta de funcionários burocráticos da corte czarista. No conto título, tdo o drama do protagonista está em arranjar um novo capote, já que ele é alvo de desprezo mesmo dos colegas de repartição pelas condições precárias de seu casado – uma preocupação que vai acompanhá-lo até mesmo depois da morte.

 

2. Primeiro Amor (1860), de Ivan Turguêniev

 

Uma das novelas de formação mais clássicas da história da literatura. Neste breve texto de Turguêniev (mais conhecido pelo ambicioso PAIS e FILHOS), Vladimir Petróvitch é um rapaz sensível de 16 anos, superprotegido pela mãe e com um relacionamento distante com seu pai. Sua relação com o mundo vai ganhar novas cores e dramas ao se apaixonar pela vizinha Zinaida, uma jovem mais velha cercada de admiradores. O aprendizado da paixão é também o das armadilhas e enganos da vida adulta.

 

3. Homens Interessantes e Outras Histórias (1873), de Nikolai Leskov

 

Escritor que foi apontado por Walter Benjamin como o modelo mais acabado de narrador russo, Leskov reúne aqui contos sobre personagens “interessantes” - que, na verdade, são homens comuns, mas que preservaram uma ligação mais próxima e vigorosa com a natureza. As narrativas de Leskov também buscam ressaltar as virtudes do sacrifício e da abnegação entre aqueles que têm pouco mas não se furtam a tentar salvar seus semelhantes.

 

4. Uma Criatura Dócil (1876), de Fiodor Dostoiévski

 

Tiranizada pelas tias e desesperada para deixar a casa da família, uma jovem de 16 anos aceita casar-se com um quarentão hipocondríaco. O choque entre as aspirações de liberdade dessa mulher, que até ali aparentemente foi tão “dócil”, e as ideias preconcebidas do marido, mais apegado às noções tradicionais do que se espera de uma esposa, serão o mote para um mergulho de Dostoiévski numa profunda trama psicológica de ciúmes e tragédia. Um bom ponto de partida para um autor que sabia dar voz às psiques mais torturadas.

 

5. A Morte de Ivan Ilítch (1886), de Leon Tolstói

 

Uma novela dilacerante sobre a vacuidade da vida e talvez uma das melhores obras já escritas sobre doença e dor física em toda a história da literatura. Nesta breve história que nada fica a dever a seus monumentais panoramas épicos, Tolstói reconstitui a vida do magistrado Ivan Ilítch, um homem com uma vida burguesa aparentemente perfeita que vê seu mundo ruir rapidamente à medida que combate um câncer agressivo e percebe que suas ligações, sua família, mesmo sua posição burguesa respeitável não são nada diante do sofrimento e da morte.

 

6. O Beijo e Outras Histórias (1887), de Anton Tchékhov

 

O mestre do conto na sua melhor forma. Uma compilação de seis textos mais longos do autor (que era conhecido também por narrativas curtas como vinhetas), entre os quais alguns frequentemente listados entre suas obras-primas, como o contundente UMA HISTÓRIA ENFADONHA, sobre um professor aposentado e sua visão desencantada do mundo, e ENFERMARIA Nº 6, desalentador quadro de um hospício de província.

 

7. Os Sete Enforcados (1908), de Leonid Andreiev

 

Sete condenados à forca pelo sistema judiciário russo, já cientes da morte inapelável, enfrentam a ideia do fim enquanto aguardam a preparação da execução. Andreiev (1871-1919), um dos mais sombrios e menos conhecidos dos grandes prosadores clássicos do realismo russo, torna a angústia de seus personagens nesta breve novela um libelo contundente contra a pena de morte.

 

8. O Exército de Cavalaria (1924), de Isaac Bábel

 

Reunião de 36 narrativas curtas, resultado de um período que o autor passou, como soldado raso e correspondente do jornal militar O Cavalariano Vermelho, junto às tropas da cavalaria russa durante a sangrenta guerra de fixação de fronteiras com a Polônia, entre 1920 e 1921. Narradas em primeira pessoa, quase todas do ponto de vista de Kirit Vassílievitch Liútov, jovem judeu agregado ao batalhão de cossacos e alter ego do próprio Bábel, montam um panorama dos efeitos do regime soviético junto à gente comum. Também foi publicado no Brasil com o título de A CAVALARIA VERMELHA.

 

9. Nós (1924), de Evgueny Zamiátin

 

No cenário distópico deste romance ambientado no século 26, a individualidade foi abolida, os cidadãos são identificados por números e o sistema político é comandado por uma burocracia tecnicista. Nesse cenário, D-503, um matemático que trabalha na construção de uma espaçonave, desperta para o caráter totalitário da sociedade ao conhecer uma mulher irreverente e rebelde. O livro influenciaria ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (1932), de Huxley, e 1984 (1949), de Orwell.

 

10. A Estrada (anos 1930 e 1940), de Vassiti Grossman

 

Bom cartão de apresentação para um dos maiores e mais obscuros escritores do século 20. Perseguido pelo stalinismo soviético, Vassiti Grossman só foi redescoberto nos anos 1980. Este livro reúne contos, ensaios e reportagens distribuídos em cinco seções, que abrangem desde ficções poderosas sobre dilemas da vida sob o regime soviético até cartas de despedida que escreveu para a mãe morta (fuzilada pelos nazistas em 1941, com outros 12 mil judeus, na Berdítchev natal).

 

11. Piquenique na Estrada (1977), de Arkádi e Boris Strugátski

 

Um romance que comprova a ria tradição russa na ficção científica. Naves alienígenas visitaram a Terra, mas partiram sem fazer contato. As zonas de pouso estão sob controle governamental estrito, mas logo surgem os “stalkers”, especialistas em invadir os lugares em busca de artefatos alienígenas para vender no mercado negro. O livro inspirou uma obra-prima docinema, STALKER (1979), de Andrei Tarkovsky.

 

12. A Metralhadora de Argila (1996), de Viktor Pelevin

 

Viktor Pelevin se tornou o primeiro grande escritor russo a emergir após a queda do regime soviético. Este romance, considerado sua obra-prima, faz uma leitura delirante da experiência comunista no país apresentando Piotr Poustota, um personagem que é alternadamente um oficial do Exército vermelho às vésperas da criação da União Soviética e um interno em um hospício russo nos anos 1990, no período pós-comunista. A narrativa borra as definições precisas sobre qual das duas personalidades do narrador é a verdadeira e qual é a imaginada, num comentário preciso sobre a dificuldade do povo russo de conciliar as experiências de seu passado recente.

 

 

 

A RÚSSIA NO CINEMA

 

1. O Encouraçado Potemkin (1925), de Serguei Eisrnstein

 

Ao encerrar um episódio real ocorrido na Rússia em 1905 – a rebelião de marinheiros de um navio de guerra contra as condições subumanas de trabalho, duramente reprimida pelo governo czarista no porto de Odessa, na Ucrânia –, Eisenstein foi além da representação histórica. Realizou, ainda na era do cinema mudo, um documento de alta voltagem política e social. E, ao mesmo tempo, consagrou s revolucionária escola russa de montagem, que estabeleceu a gramática de informação, ritmo e sentido por fotograma ainda hoje exemplar na narrativa visual. A cena do carrinho de bebê despencando da escadaria é uma das mais famosas da história do cinema.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=wCydSZTKQ8s

 

 

 

2. Um Homem com uma Câmera (1929), de Dziga Vertov

 

Vertov começou a trabalhar em 1918, ano da Revolução Russa que colocou Lenin no poder. Especializou-se no registro documental daquele novo período histórico que se iniciava, criando o conceito conhecido como kino-pravda (cinema-verdade) ou kino-glaz (cinema-olho). Com essa captação da realidade, o diretor estabeleceu uma linguagem visual inovadora, que atingiu seu ápice em UM HOMEM CO UMA CÂMERA. Trata-se de um filme-ensaio que apresenta situações do cotidiano captadas por seu câmera, Mikhail Kaufman, nas ruas de Moscou, Kiev, Odessa e Kharkiv, interligadas por inovadoras técnicas de montagem e sobreposição de imagens que lançam diferentes sentidos sobre a percepção do “real”. Um dos filmes mais influentes de todos os tempos.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ElVSNGV8zGE

 

 

3. Guerra e Paz (1965), de Sergei Bondarchuk

 

O monumento literário de Tolstói ganhou em sua própria casa a adaptação para o cinema que é considerada a mais digna de comparação com o origial – Hollywood fez a sua em 1956, assinada por King Vidor, com Audrey Hepburn e Henry Fonda. O GUERRA E PAZ de Bondarchuk ganhou o Globo de Ouro e o Oscar de filme estrangeiro. A produção da estatal Mosfilm, o maior e mais antigo estúdio da Europa, foi anunciada à época como resultado de um fabuloso investimento de US$ 100 milhões, com US$ 120 mil extras usados nas grandiosas encenações de batalhas das guerras napoleônicas. Mas o custo, segundo especialistas, não teria chegado a 10% do valor, e o próprio Bondarchuk disse posteriormente que usou “apenas” US$ 12 mil extras.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=IagD8WsYdSk

 

 

4. SOLARIS (1972), de Andrei Tarkovsky

 

Um dos gigantes do cinema soviético, o russo Tarkovsky poderia figurar aqui com outros de seus grandes e premiados filmes, entre ele STALKER (1972), obra-prima citada na lista acima pelo livro do qual foi adaptado (PIQUENIQUE NA ESTRADA). SOLARIS foi recebido, no clima da Guerra Fria, como a resposta russa a 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Kubrick. De comum a esses dois grandes filmes, porém, apenas a profunda experiência sensorial que apresenta ao espectador. A jornada aqui é de um psiquiatra enviado a uma estação espacial na órbita do planeta Solaris, com o objetivo de investigar fenômenos relacionados s existência de uma vida extraterrestre inteligente. Na missão, a tripulação será afetada por interferências telecinéticas que embaralham realidade e delírio.

 

 

 Trailer:  https://www.youtube.com/watch?v=9LMMn8czq2w&ab_channel=films411

 

5. Vá e Veja (1985), de Elem Klimov

 

Um dos mais potentes e comoventes filmes de guerra já feitos. A representação da violência e selvageria que marcaram os confrontos entre soviéticos e nazistas tem como personagem central um jovem camponês da Bielorrússia que, em 1943, junta-se a um grupo de milicianos que enfrentam os alemães. Em meio aos confrontos, o jovem se desgarra do grupo e passa a vagar sem rumo testemunhando horrores que a câmera de Klimov torna dolorosamente palpáveis.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=2FV2LLtw6gU

 

 

6. O Sol Enganador (1995), de Nikita Mikhalkov

 

Ganhador do Oscar de filme estrangeiro, aborda um período emblemático da história soviética, a onda de terror que Stalin lançou sobre opositores, reais e imaginários para consolidar seu poder ditatorial. A trama se passa em 1936, quando um militar consagrado como herói revolucionário recebe em sua casa de campo a visita de um velho amigo, com passado e intenções nebulosas.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ssJbC2pNaCA

 

 

7. Arca Russa (2002), de Aleksandr Sukúrov

 

Filme histórico por uma peculiaridade inovadora: foi realizado em único plano-sequência, com 97 minutos sem corte algum – proeza, permitida pela então novidade do suporte digital Sokúrov – leva o espectador a uma imersão pela história da Rússia percorrendo as salas do Museu Hermitage, em São Petersburgo, que guarda uma das mais preciosas coleções de arte do mundo. Passam pela tela personagens com Pedro, o , Catarina II e a família de Nicolau II, o ultimo czar, A engenhosa produção exibiu logística precisa para recriar cenas com até 3 mil figurantes em trajes de época.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=RqU3wphw260

 

 

 

8. Minha Felicidade (2010), de Sergei Loznitsa

 

Painel histórico e comportamental da Rússia na jornada de um caminhoneiro que cruza com diferentes tipos após se perder numa estrada. As histórias narradas por esses personagens somam-se às experiências que o protagonista vai vivendo em um universo de violência e degradação, que espelha o desmoronamento moral e físico advindo do esfarelamento do império soviético.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=JI0jy3_lDvg

 

 

9. Leviatã (2015), de Andrei Zuyagintsev

 

A Rússia da era Putin é espelhada na jornada de um homem em confronto co o “sistema”. O protagonista vive com a mulher e o filho num vilarejo à beira-mar. Ao se ver assediado de forma agressiva por um prefeito que deseja apropriar-se de seu terreno, busca a ajuda de um advogado. LEVIATÃ provocou polêmica na Rússia, onde foi exibido sem cortes, em razão de seus personagens com caráter dúbio e abordagem de temas como corrupção política e moral que germinam na degradação social e econômica.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=R4CvTylnHP0

 

 

10. Anna Karenina: A História de Vronsky (2017), de Karen Shakhnazarov

 

A clássica personagem de Tolstói retorna ao cinema no filme que estreia no Brasil em 7 de junho. Esta versão coloca a história sob o ponto de vista do amante da aristocrata e acrescenta no enredo fatos posteriores, ambientados no começo do século 20, quando um jovem médico, filho do casal adúltero, confronta o pai sobre os trágicos episódios que envolveram sua mãe. Shakhanazarov rodou ao mesmo tempo, com o mesmo elenco, a adaptação fiel do livro, exibida como minissérie.

 

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=4nkIRXeLflA

 

 

Fonte: Jornal Zero Hora/Segundo Caderno/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) e Marcelo Perrone (marcelo.perrone@zerohora.com.br) em 28/05/2018.