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Maria Valéria Rezende: e o Premiado Outros Cantos
Maria Valéria Rezende: e o Premiado Outros Cantos

NO CORAÇÃO DO BRASIL

 

Com OUTROS CANTOS, Maria Valéria Rezende conquistou o Prêmio São Paulo de Literatura.

Livro: OUTROS CANTOS – Maria Valéria Rezende – Romance – Alfaguara Brasil – 152 páginas.

 

OUTROS CANTOS, romance da escritora paulista Maria Valéria Rezende lançado em 2016, foi anunciado esta semana como o grande vencedor do prestigiado Prêmio São Paulo de Literatura. É um prêmio que coroa uma trajetória de reconhecimento para um livro que já havia sido agraciado com o Casas de Las Américas, em janeiro, e que havia ficado em terceiro lugar na premiação do Jabuti, no mês passado. É também um sinal de como a obra de sua autora, Maria Valéria Rezende, 74 anos, freira com um intenso passado de lutas sociais, foi ganhando espaço nos últimos anos.

 

Quando publicou seus primeiros livros, em especial os bem-recebidos VASTO MUNDO (2001) e O VOO DA GUARÁ VERMELHA (2005), muito se falou sobre o fato de que a autora era uma “ex-freira”. Maria Valéria se apressou em corrigir o equívoco. Ela não er ex-freira, e sim uma religiosa ainda ligada à Congregação de Nossa Senhora. Nascida em Santos em 1942, ela fez parte da Juventude Estudantil Católica e passou boa parte de sua juventude trabalhando com educação popular em diferentes rincões do Brasil, em especial no sertão pernambucano. É esta a matéria-prima com a qual ela compôs seu romance agora premiado.

 

OUTROS CONTOS é o relato de Maria, professora aposentada que está em uma viagem de ônibus em direção ao vilarejo de Olho D’Água, no sertão nordestino. Enquanto o carro avança, ela vai recosendo os fios da memória: sua infância, sua formação e a passagem transformadora que teve por aquela mesma região 40 anos antes, como educadora do Mobral.

 

Maria também revê com os olhos da maturidade as surpresas reservadas à então jovem professora, que se via como uma libertadora com o poder da palavra e foi apresentada ao saber intuitivo e rústico, mas não menos válido, da população local. É um livro que faz um relato delicado e bastante tangível de uma comunidade nordestina em que a aspereza da vida e do ambiente se fundem ao maravilhamento com os ritmos de um mundo arcaico, mas afetuoso.

 

Maria divide com sua autora o nome, a profissão, a passagem pelo sertão. Embora seja um romance em que muito foi construído ficcionalmente, OUTROS CANTOS é um balanço que parte de um ponto íntimo e pessoal. Não é o primeiro exemplar a embaralhar vivência e prosa na obra de Maria Valéria. Há alguns anos, ela simplesmente se mudou para Porto Alegre e saiu a desbravar sozinha a cidade desconhecida para transformar o resultado em livro, o também premiado QUARENTA DIAS, que recebeu o primeiro lugar na categoria romance no Jabuti de 2015. É um romance que, a seu modo, antecipa certos elementos que vão retornar em OUTROS CONTOS: um choque cultural entre a protagonista e seu entorno, uma figura feminina de certa idade que lança uma reflexão posterior a eventos que viveu, a viagem como a situação que põe em andamento a máquina da ficção. Em QUARENTA DIAS, a paraibana Alice, uma professora aposentada como a Maria de OUTROS CONTOS, após muita insistência se vê praticamente obrigada a trocar João Pessoa por Porto Alegre – para ajudar a filha, professora universitária casada com um gaúcho, nos planos de uma futura gravidez.

 

É do estranhamento de Alice com Porto Alegre, uma cidade de costumes e gentes diversos, nos quais outros nordestinos como a protagonista parecem sempre relegados à periferia e a funções subalternas, que Maria Valéria tece uma história bem menos regular do que a apresentada em OUTROS CONTOS – até o início de sua jornada, a autora se estende por 60 páginas no rame-rame da relação insatisfatória de Alice com sua filha, com o genro, com o estranho apartamento “todo em preto e branco” em que foi alojada.

 

Quando sua personagem ganha as ruas de Porto Alegre, a história se ilumina, provando que Maria Valéria é alguém capaz de enxergar a beleza compassiva de ambientes tão distintos como um lugarejo no Nordeste e a periferia de uma capital do extremo sul do país.

 

Fonte: ZeroHora/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 10/11/2017.