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A Revolução de Jean Piaget
A Revolução de Jean Piaget

A REVOLUÇÃO DE PIAGET

 

As crianças escolhem “solidariedade” como tema da lição, montam um circo com material reciclado e a professora coordena.  Parece uma festa, mas não é.  É uma sala de aula inspirada pelas teorias de Jean Piaget, o criador do aprendizado prazeroso e gradual.  As ideias do mestre, mudaram nossa vida.

 

A pedagogia nunca mais foi a mesma depois que Piaget submeteu o ensino à necessidade do aluno e não o aluno ao ensino.  A inversão, tão simples quanto arrojada, rompeu com a escola tradicional, que considerava que o conhecimento vinha de fora para dentro.  “Era como se a transmissão do saber fosse feita”, conta a pedagoga Lena Bartman, diretora pedagógica da Escola Ibeji, em São Paulo, “tomando-se a criança como uma placa de cera onde se podia imprimir informações acumuladas”.

 

Inspiradas nos conceitos piagetianos, surgiram as chamadas escolas construtivistas, aquelas que partem da noção de que a criança forma seu intelecto aos poucos.  Para os construtivistas o importante é formar indivíduos independentes que busquem o conhecimento do seu próprio modo.  “A autonomia deve ser cultivada pela existência toda”, afirma Bartman.  “Enquanto as informações decoradas podem ser esquecidas, a inquietação intelectual e o prazer pelo saber, quando incorporados, fazem parte do individuo”, compara a pedagoga.

 

O século de Piaget foi o da reinvenção da pedagogia.  Por isso, os cem anos do seu nascimento foram comemorados em grande estilo.  Em setembro (1996), os Arquivos Jean Piaget, da Universidade de Genebra, na Suíça, abriram uma exposição da sua obra, simultaneamente em várias cidades do mundo, inclusive o Rio de Janeiro.  Houve também um congresso internacional denominado “O Pensamento em Evolução”, em Genebra.  No mundo inteiro, os piagetianos discutiram as descobertas do mestre.  “As ideias de Piaget continuam ativas”, disse à Super, Silvia Parrat-Dayan, psicóloga.  “Elas são uma referência obrigatória tanto para os que dão continuidade a elas quanto para os que querem supera-las”.

  

A DESCOBERTA DO APRENDIZADO POR ETAPAS

 

Piaget era um curioso incansável.  Quando menino, na cidade Suíça de Neuchâtel, onde nasceu, estudava moluscos.  E, com 10 anos, publicou seu primeiro artigo com observações sobre um pardal albino, nada menos.  Esse geninho precoce deixou, ao longo de 84 anos de vida, 300 publicações.  E recebeu seis títulos de doutor em universidades inglesas, americanas e francesas.  Era um homem simples e metódico:  acordava às quatro horas da manhã, adorava andar de bicicleta e não abria mão de três meses de férias nos Alpes.

 

Como biólogo, Piaget descobriu o processo de construção do conhecimento pela criança, desde as formas mais simples de compreensão até a fase dedutiva e lógica, quando o raciocínio começa a elaborar hipóteses complicadas.  Mostrou que o ser humano evolui a partir da interação com o mundo.  Esse “interacionismo” – para usar uma expressão com a cara de Piaget – parece óbvio hoje em dia, mas na primeira metade do século foi um ovo de Colombo.

 

Em 1921, observando experiências no Instituto Jean-Jacques Rousseau, Genebra, o cientista descobriu que o aprendizado era um processo gradual no qual a criança vai se capacitando a níveis cada vez mais complexos do conhecimento, seguindo uma sequência lógica.  Para desvenda-la, elaborou uma teoria do desenvolvimento intelectual por fases, cujo ponto de partida é a posição egocêntrica, ou seja, aquela em que a criança não distingue a existência de um mundo externo separado de si própria.

 

Na linguagem, o “egocentrismo” corresponde ao período em que a criança não vê necessidade de explicar aquilo que diz por ter certeza de estar sendo entendida.  Ou quando atribui seus próprios desejos e características a coisas externas, achando, por exemplo, que “a nuvem está chorando” quando chove ou que um cão late por “saudade da mamãe”.

 

A partir do egocentrismo, o biólogo percebeu que a inteligência forma-se por meio de adaptações.  Por assimilação, a criança vai integrando elementos novos a esquemas já existentes.  Quando o esquema torna-se insuficiente para responder à novidade, é modificado.  Assim, para aprender a chupar um canudinho processa uma “acomodação” no conhecimento que possuía antes, o de chupar a mamadeira.  Desse jeito, interagindo com o mundo externo, vai reduzindo gradualmente o egocentrismo.  “Piaget foi o primeiro a abrir o cérebro para saber como nos comportamos”, nota Lauro de Oliveira Lima, diretor do Centro Educacional Jean Piaget, no Rio de Janeiro.

 

 

A LIBERDADE DE PODER SER RACIONAL

 

Em 1929, Piaget assumiu o cargo de diretor assistente da Universidade de Genebra e começou a redigir a sua “epistemologia genética” – uma teoria biológica sobre a construção do conhecimento humano.  A primeira fase da inteligência chamou de sensório-motor porque nela, o conhecimento é marcado pelo contato físico e sua fonte é o objeto:  para se ter a noção de um lápis, é preciso toca-lo, leva-lo à boca e (num estágio bem mais avançado) rabiscar com ele.

 

Na segunda fase, as atividades de representação, como o jogo, o desenho e a linguagem, põem a criança em contato com o conhecimento produzido pelos que a cercam.  Nesse intercâmbio mais dinâmico com o ambiente surgem os primeiros ensaios de operações abstratas, por isso ela foi batizada de fase pré-operacional.  Aí, o pensamento passa a ser elaborado com uma linguagem interior e um sistema de signos.  A criança começa a reconstituir as ações por meio de imagens e de experiências mentais.

 

A última fase, a operacional-formal, surge quando a criança já é capaz de fazer uma operação ao contrário, ou seja retornar ao seu início.  Para admitir que A é igual a B, tem que aceitar que B é igual a A.  Essa ida e volta do pensamento exige uma sequência lógica.  Com ela, o garoto já pode relacionar as coisas de modo a prever as situações e criar hipóteses, o que, aliás, é a característica do método experimental na ciência.  “A grande contribuição de Piaget”, diz Lino de Macedo, diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, “está em promover o encontro do conhecimento sob a ótica da criança com a visão do adulto e com a ciência, o que até então ninguém tinha feito”.

 

O pensador suíço mostrou que o ser humano tem a capacidade, determinada por sua própria biologia, de raciocinar por si próprio, livre e autonomamente.  “A teoria de Piaget salvou o homem”, diz o professor Yves de La Taille, do Instituto de Psicologia da USP.  “Tornou-o capaz de superar a ideologia pela ciência, de livrar-se do lastro da tradição pela inteligência e de recusar a autoridade pela reciprocidade”.  Na verdade, o que Piaget descobriu foi a capacidade dos homens virarem cidadãos.

 

 

TIPOS DE ESCOLA

O ensino tradicional e o construtivista.

 

A TRADIÇÃO DA DECOREBA

 

Método:  Transmissão de informações, via oral, na sala de aula, sem intercâmbio externo ou experimentação ativa.

Resultado:  Espera-se que o aluno reproduza aquilo que é transmitido e assim ele é avaliado.

Erros:  Os erros recebem punição, há até certo tempo, inclusive física; hoje, com notas baixas e reprovações.

Aluno:  É visto como o depositário e alvo das informações.

Professor:  Cumpre o papel de transmissor do conhecimento.

Escola:  É o lugar onde se reproduz a herança cultural.

 

A CONSTRUÇÃO METÓDICA

 

Método:  Integração com o mundo externo e com o mundo interno do aluno.

Resultado:  Provocar o gosto de aprender e a autossuficiência na busca de respostas.

Erros:  Indicam o estágio em que a criança está.  A avaliação valoriza o que o aluno transforma e elabora.

Aluno:  É tomado como um ser pensante, com desenvolvimento próprio.

Professor:  Procura ser um orientador que facilita a aprendizagem criando situações estimulantes e motivadoras de respostas.

Escola:  É o espaço para transmissão do saber e integração do indíviduo à sociedade e à cultura.

 

AS FASES DA INTELIGÊNCIA

Piaget descobriu que a atividade mental se organiza em estágios.

 

Fase sensório-motor

Até 1 mês:  Comportamentos como respirar, chorar ou sugar o leite materno são determinados hereditariamente e manifestam-se sob a forma de reflexos inatos.

1 a 4 meses:  O toque físico permite as primeiras adaptações e o reconhecimento do ambiente.  Repetições sucessivas testam as reações, cujos resultados são assimilados e incorporados a novas situações.

4 a 8 meses:  Novos movimentos provocam ações sobre as coisas:  toques sucessivos em móbiles, pequenos barulhos e movimentos que estimulam o interesse.

8 a 12 meses:  O bebê aplica formas já conhecidas por ele para resolver situações novas:  sentado no cadeirão, pega com as mãos os alimentos e joga objetos no chão provocando reações diferentes.

12 a 18 meses:  As experiências com objetos ampliam os meios para entendimento de novas situações.  A criança começa a considerar, por exemplo, que os objetos saem da visão, como uma bola atrás de uma almofada.

18 a 24 meses:  Surgem combinações mentais e de ações.  Os jogos de encaixe tornam-se instigantes.  Há uma mudança qualitativa da organização da inteligência, que passa de sensível e motora para mental.

 

Fase pré-operacional

2 A 7 anos:  Surgem pensamentos anímicos e intuitivos, sobre a natureza.  Para a criança, tudo se comporta como ela:  nuvens “choram”, pássaros voam “porque gostam” e o Sol tem “rosto”.

7 a 12 anos:  Começam as operações chamadas de lógico-concretas, nas quais as respostas baseiam-se na observação do mundo e no conhecimento adquirido.  É a fase de escolarização, dos primeiros textos e operações matemáticas.

 

Fase operacional-formal

Após 12 anos:  Desenvolvem-se as operações formais e proposicionais com raciocínio sustentado no conhecimento físico e em hipóteses lógicas.  Incorporam-se ideias abstratas e ideológicas, como justiça e ecologia.

 

Por Heitor Amílcar/Super