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As Coisas que Perdemos no Fogo: Mariana Enriquez
As Coisas que Perdemos no Fogo: Mariana Enriquez

FANTASMAS AINDA VIVOS

 

Chega ao Brasil livro de contos da escritora argentina Mariana Enriquez, traduzida em mais de 20 países e elogiada pela crítica.

 

Em um país que transformou seu pendor para a violência em mito, talvez um dos modos de apreender suas contradições seja por meio do horror. É a aproximação escolhida pela jornalista e escritora argentina Mariana Enriquez, 44 anos, nos 12 contos de AS COISAS QUE PERDEMOS NO FOGO, livro já traduzido em mais de 20 países e que recebeu resenhas elogiosas em publicações como o jornal New York Times e a revista New Yorker.

 

Publicado em 2016, AS COISAS QUE PERDEMOS NO FOGO é o oitavo livro de Mariana Enriquez, e o principal lançado no Brasil. O volume compila histórias em que a unidade está no olhar de suas protagonistas, quase todas mulheres, na segurança com que maneja a linguagem e na forma como se apropria de convenções do gênero do horror para realizar um comentário elíptico mais incisivo sobre a Argentina dos últimos 40 anos.

 

A história de abertura, O MENINO SUJO, já apresenta, na figura de Gauchito Gil, um fenômeno comum do imaginário latino-americano, “um santo popular da província de Corrientes que se venera em todo o país, especialmente nos bairros pobres”, um menino assassinado por um desertor no século 19. A criança santificada simboliza uma ponte sobre a violência do passado (mote de superstição popular e também de parte da literatura gauchesca) e a do presente, já que a jovem protagonista preocupa-se com o destino de um menino de rua que ela avista todos os dias de sua casa e que pode ter sido vítima de um crime.

 

Em certo sentido, AS COISAS QUE PERDEMOS NO FOGO é um livro de fantasmas. Não os espectros torturados da narrativa gótica tradicional (embora um dos contos apresente o protagonista sendo assombrado pelo fantasma de um serial killer que de fato existiu), mas os espectros subjacentes a uma nação de terceiro mundo com uma história arraigada de violência. Num dos melhores contos do volume, HOSPEDARIA, duas garotas tramam um trote contra a dona de uma pensão localizada num antigo centro de tortura da ditadura argentina, e descobrem que o lugar, numa imagem do país todo, continua assombrando pelos horrores praticados entre aquelas paredes.

 

A Buenos Aires de Mariana Enriquez não é a dos tradicionais bandidos e compadritos, a esta altura mitologizados pela literatura e pelo tango. É uma Buenos Aires de crises econômicas, corrupção política, violência policial, pobreza, drogas e exclusão. E ainda assim ambos os cenários se encontram na violência subterrânea que aflora como os corpos desovados em um rio em outro dos grandes contos do livro, SOB AS ÁGUAS ESCURAS.

 

Fonte: ZeroHora/2º Caderno/Mundo Livro/Carlos André Moreira (carlos.moreira@zerohora.com.br) em 04/08/2017.