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Trago Comigo: Direção de Tata Amaral
Trago Comigo: Direção de Tata Amaral

ENSAIO SOBRE O TRAUMA DA TORTURA DURANTE A DITADURA

 

Exibida em 2009 na TC Cultura, TRAGO COMIGO surgiu como uma série em quatro episódios, com pouco menos de uma hora cada.  Nem parece sua versão condensada (de 84 minutos), que chegou nesta semana aos cinemas, tem bom ritmo narrativo e um arco dramático fechado, funcionando plenamente no formato de longa-metragem.  E, melhor ainda, estreia no circuito (no Cine Bancários e no Espaço Itaú) em um momento político Mais do que adequado.

 

O tema é o mesmo de HOJE (2011), longa anterior da diretora Tata Amaral: a construção da memória da luta armada contra a ditadura militar pós-1964.  Assim como a personagem principal de HOJE, o protagonista de TRAGO COMIGO tenta montar um quebra-cabeças que o trauma da violência institucional não permite completar.

 

Telmo (Carlos Alberto Riccelli, em grande atuação) é um diretor de teatro.  No início do filme, concedendo uma entrevista (primeiro indício de que estamos no terreno fértil no qual ficção e documentário se misturam), ele fica intrigado ao não lembrar do tempo de perseguição, tortura e exílio.  Resolve aproveitar uma oportunidade de trabalho usando a arte como terapia.

 

A montagem teatral que encena sobre o período tem apenas jovens no elenco – o protagonista representa o próprio Telmo, mais novo (vivido por Felipe Rocha).  O jogo de espelhos que se estabelece é rico no que revela sobre o olhar distanciado das novas gerações.  Mais ainda são os depoimentos de vítimas reais da repressão, intercalados com a ficção: o recurso é arriscado devido à brusca mudança de registro, mas, em TRAGO COMIGO, cumpre papel decisivo para trazer o espectador para dentro da trama.

 

Não há como não ficar comovido ao ver uma mulher narrando o momento em que foi submetida a ouvir os gritos do marido que estava sendo morto pelos policiais.  Outra evidencia o quanto a dor que não passa pode tornar a lembranças nebulosas – o que carrega de verdade a composição do protagonista, igualmente confuso em suas doloridas recordações.

 

Riccelli trabalha com habilidade o tempo cênico, usando silêncios para ressaltar a carga emocional daquelas memórias.  A bela montagem de Willem Dias, que usou cenas excluídas da série, dá o tempo adequado para o público absorver esse peso.  Completa o ótimo pacote a fotografia do craque Jacob Solitrenick, que aproveita luzes e sombras do palco para compor planos que metaforizam aquela era de trevas.  Fica, aliás, a sugestão, reiteradamente manifestada pela plateia do debate que marcou a pré-estreia do longa na Capital: depois da TV e do cinema, TRAGO COMIGO bem poderia ser estendido ao teatro – material não falta.

 

Sobre o fato de a estreia se dar em boa hora: as citações a torturadores são abafadas por um ruído e uma tarja preta que escondem seus nomes, procedimento que Tata Amaral justifica pelo fato de que nenhum foi condenado pelos crimes cometidos.  As feridas estão abertas, tantas décadas depois.  Mais do que isso, não faz dois meses que um dos deputados mais votados do país exaltou um torturador em rede nacional de televisão – o mesmo agente que torturou vários personagens do filme.

 

É preciso, mais do que nunca, falar sobre o assunto.

 

 

 

Fonte:  ZeroHora/Segundo Caderno/Daniel Feix (daniel.feix@zerohora.com.br) em 17 de junho de 2016.