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Arcadismo
Arcadismo

Ouse saber

“Ouse saber” era o lema do Iluminismo, que estimulou a discussão de assuntos políticos e ajudou a criar o clima de contestação que culminaria com a Revolução Francesa, em 1789, provocando o fim da monarquia na França e espalhando, por outros países, ideias de liberdade que inspirariam muitos movimentos de independência.

 

Arcadismo: um novo estilo poético

Reagindo contra a linguagem rebuscada e as preocupações religiosas do Barroco, surge no século XVIII um novo estilo poético – o Arcadismo. Recriando em seus textos as paisagens campestres de outras épocas, com pastoras e pastores levando uma vida agradável e amorosa, os poetas árcades cantam os prazeres da vida.

[Dirceu e Marília]

“................................................................................

É bom, minha Marília, é bom ser dono

De um rebanho, que cubra monte e prado;

Porém, gentil pastora, o teu agrado

Vale mais que um rebanho e mais que um trono.

Graças, Marília bela,

Graças à minha estrela!

Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do sol em vão se atreve;

Papoula ou rosa delicada e fina

Te cobre as faces, que são cor da neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

Ah! Não, não fez o céu, gentil pastora,

Para glória de amor igual tesouro!

Graças, Marília bela,

Graças à minha estrela!

Irás a divertir-te na floresta,

Sustentada, Marília, no meu braço;

Aqui descansarei a quente sesta,

Dormindo um leve sono em teu regaço.

Enquanto a luta jogam os pastores,

E emparelhados correm nas campinas,

Toucarei teus cabelos de boninas,

Nos troncos gravarei os teus louvores.

Graças, Marília bela,

Graças à minha estrela!

GONZAGA, Tomás Antônio

Marília de Dirceu, Rio de Janeiro: Ediouro.

 

Como podemos perceber pela leitura, esses versos estão longe das preocupações religiosas e místicas do Barroco. Bem ao contrário, a valorização dos bens materiais (“É bom, minha Marília, é bom ser dono / de um rebanho, que cubra monte e prado”) e o desejo de gozar os prazeres do amor com a linda pastora Marília revelam uma concepção de vida sem nenhuma inquietação religiosa. A cena se passa num ambiente campestre, onde há rebanhos, pastores que brincam ou dormem a sesta, pastoras louras (faces cor de neve, cabelos cor de ouro). Uma visão idealizada da vida no campo. Um sonho poético.

 

Características do Arcadismo

Os árcades rejeitaram a linguagem rebuscada da poesia barroca e buscaram inspiração na Antiguidade (grega e romana) e em Camões, o grande nome do Classicismo português. Dai o nome de Neoclassicismo que se dá também ao Arcadismo, cujas principais características são:

Carpe diem (aproveita o dia presente): o pastor convida sua amada a gozar o quanto antes os prazeres do amor porque a vida é breve e o futuro, incerto. Esse tema foi explorado também no Barroco, mas os árcades o retomam sem as inquietações religiosas daquela época.
Locus amenus (lugar ameno): o poeta idealiza uma paisagem agradável e propícia aos encontros amorosos.
Aurea mediocritas (o equilíbrio de ouro): o ideal de uma vida equilibrada, sem excessos ou extremos.
Fugere urbem (fuga da cidade): fuga da agitação e violência da vida da cidade ou da Corte, em favor da simplicidade do campo, onde se pode levar uma vida calma e feliz.

BOCAGE, O GRANDE POETA PORTUGUÊS

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) é um dos maiores sonetistas líricos da literatura portuguesa. No início de sua atividade literária, seguiu a moda do Arcadismo, escrevendo poesias que falam dos pastores e ninfas; porém, abandonou essa poesia artificial e passou a falar mais do seu mundo interior, de seus dramas existenciais e amorosos. Essa poesia individualista e pessoal de Bocage já é uma antecipação do que seria a poesia romântica do século XIX.

“Razão, de que me serve o teu socorro?

Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;

Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.”

Bocage

 

O ARCADISMO NO BRASIL: os poetas mineiros

No Brasil, o Arcadismo encontrou expressão num grupo de poetas que viviam em Minas Gerais, mais precisamente na região de Vila Rica, o principal centro econômico do país, no século XVIII, em razão da descoberta de ouro e diamante.

A publicação de Obras, de Cláudio Manuel da Costa, em 1768, é o marco inicial do Arcadismo brasileiro. Além desse poeta, merecem destaque Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto e Santa Rita Durão.

 

Tomás Antônio Gonzaga

Com o pseudônimo árcade de Dirceu, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) escreveu o livro Marília de Dirceu, que é divido em duas partes. Na primeira, o poeta fala do amor, canta as delícias de uma vida simples em contato com a natureza, ao lado de seus amigos pastores e de sua querida pastora Marília. Na segunda parte, encontramos as poesias que Gonzaga escreveu na cadeia, quando estava preso por seu envolvimento na Conjuração Mineira. Nesses textos, o tom é outro, com o poeta lamentando-se do destino, afirmando sua inocência e queixando-se das saudades de Marília e da liberdade:

“Que diversas que são, Marília, as horas,

Que passo na masmorra imunda e feia,

Dessas horas felizes, já passadas

Na tua pátria aldeia!”

A figura da pastora Marília, criada por Gonzaga, foi inspirada na jovem Maria Dorotéia, noiva do poeta, mas uma não se confunde com a outra. Foram os românticos do século XIX que misturaram ficção e realidade, tentando aproximar a vida de Gonzaga e Maria Dorotéia aos poemas do livro Marília e Dirceu.

Gonzaga escreveu ainda uma obra satírica em versos – Cartas chilenas -, que circulou anonimamente sob forma manuscrita em Vila Rica. Eram textos que ridicularizavam a figura de Luís da Cunha Menezes por suas arbitrariedades como governador da capitania de Minas.

 

Cláudio Manuel da Costa

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) publicou Obras, com o pseudônimo árcade de Glauceste Satúrnio. Esse livro marca o início do Arcadismo no Brasil. Como declara o poeta no prólogo de Obras, existem polos opostos em sua poesia: sua formação é barroca, mas pretende a simplicidade árcade; sua educação artística é portuguesa, mas deseja cantar o “pátrio Rio”, isto é, a terra natal, mesmo que ela não corresponda à paisagem idealizada pelos poetas árcades europeus:

 

Em meus versos teu nome celebrado,

Por que vejas uma hora despertado

O sono vil do esquecimento frio.

 

Não vês nas tuas margens o sombrio,

Fresco assento de um álamo copado;

Não vês Ninfa cantar, pastar o gado

Na tarde clara do calmoso estio.”

 

Basílio da Gama

A principal obra de Basílio da Gama (1741-1795) é o poema épico O Uruguai, de 1769, cujo assunto é a guerra movida pelos portugueses e espanhóis contra os Sete Povos das Missões do Uruguai.

A sangrenta destruição das missões foi realmente um fato histórico. Pelo Tratado de Madri, de 1750, Portugal e Espanha remarcaram as fronteiras de suas colônias na América do Sul, porque os dois países haviam desrespeitado os termos do Tratado de Tordesilhas, de 1494.

Feita a remarcação, restou uma pendência: a colônia portuguesa do Santíssimo Sacramento (no sul do atual Uruguai) acabou ficando em território espanhol, e os Sete Povos das missões, povoados guaranis catequizados por jesuítas espanhóis, acabaram ficando em território português (no atual Rio Grande do Sul). Pelo Tratado de Madri Portugal deveria entregar à Espanha a colônia do Santíssimo Sacramento e dela receber os sete Povos.

Mas os índios (cerca de 30 mil), instigados pelos jesuítas, que não queriam a cidadania lusitana, não se conformaram e atacaram o representante português Freire de Andrade, quando ele lá chegou com uma expedição militar.

Ele então pediu reforços à Espanha. Formou-se assim um exército luso-espanhol que atacou e destruiu os Sete Povos das Missões (São Borja, Santo Ângelo, São João, São Lourenço, São Luís, São Miguel e São Nicolau).

 

Os heróis e os vilões

Destacam-se no poema O Uruguai os índios Cacambo e Sepé. Durante os combates, Sepé morre e Cacambo “salva os índios que pode e se retira.” Em sonho, Sepé aparece a Cacambo e incita-o a pôr fogo no acampamento dos inimigos. A seguir, Balda, chefe dos jesuítas, dá veneno a Cacambo, e este morre.

O vilão padre Balda quer ver seu filho como chefe dos índios e planeja casá-lo com Lindóia. Ela, no entanto, não se esquece do amado Cacambo e, rejeitando esse casamento, isola-se na floresta, onde se deixa picar por uma cobra venenosa. Lindóia é encontrada pelo irmão, Caitutu, e morre em seus braços. Esse trágico episódio é um dos momentos líricos do poema:

“.............................................................

Leva nos braços a infeliz Lindóia

O desgraçado irmão, que ao despertá-la

Conhece, com que dor! no frio rosto

Os sinais do veneno, e vê ferido

Pelo dente sutil o brando peito.

Os olhos, em que Amor reinava, um dia,

Cheios de morte; e muda aquela língua,

Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes

Contou a larga história de seus males.

...........................................................................

Inda conserva o pálido semblante

Um não sei quê de magoado e triste,

Que os corações mais duros enternece.

Tanto era bela no seu rosto a morte!

.........................................................”

 

Quando os soldados chegam, os padres e os índios põem fogo na aldeia e fogem. Os padres Balda e Tedeu, principais vilões da história, abandonaram os índios e fogem covardemente. O comandante Andrade, herói do poema, entra no povoado e, magnânimo, impede mais mortes. Os índios depõem as armas e acabam por reconhecer a autoridade do rei, reverenciando sua imagem.

A simpatia que o autor mostra pela bravura dos índios e os elogios à paisagem brasileira fazem de Basílio da Gama um precursor do indianismo e nativismo que seriam desenvolvidos, no século XIX, pelos escritores românticos.

 

Santa Rita Durão

Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784) é o autor do poema Caramuru, a outra obra épica do nosso Arcadismo. O assunto do poema são as aventuras meio lendárias meio históricas de Diogo Álvares Correia, o Caramuru, palavra traduzida pelo autor como “filho do trovão”, apelido que, segundo ele, os índios tupinambás deram ao náufrago português quando o viram usar uma arma de fogo.

Quando naufragou na costa da Bahia, Caramuru foi acolhido pelos tupinambás. O cacique deu-lhe como esposa a filha Paraguaçu. Como era católico, Diogo Álvares Correa decidiu não se unir a ela antes de oficialmente casado pela Igreja. Resgatado por um navio francês, Diogo embarcou para a França levando Paraguaçu, que seria batizada para, enfim, casar-se com ele.

Do ponto de vista histórico, esse poema tem importância pelo destaque que dá à natureza brasileira. O autor descreve o nosso clima, a fertilidade da terra, as riquezas naturais, os costumes indígenas, lembrando os cronistas do século XVI. São características nativistas que ganharão força no século XIX, com o Romantismo.