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A Publicidade Depois do Femvertising
A Publicidade Depois do Femvertising

A PUBLICIDADE DEPOIS DO FEMVERTISING

 

MOVIMENTO MOBILIZA PUBLICITÁRIOS E CONSUMIDORAS POR COMERCIAIS QUE FUJAM DOS ESTEREÓTIPOS FEMININOS E CELEBREM O EMPODERAMENTO DAS MULHERES.

 

O verão voltou e com ele uma das polêmicas do verão passado, a Verão.  Com suas idas e vindas, decotes e abraços na clientela masculina, a curvilínea garota-propaganda da cerveja Itaipava talvez seja o último bastião dos comerciais de cerveja à moda antiga.  Aqueles com mulheres seminuas circulando pelas mesas de bar, para deleite dos homens.  Mas quem prestou atenção no novo comercial, veiculado desde dezembro, percebeu um papo um pouco diferente.  A personagem interpretada pela modelo Aline Riscado segue embasbacando marmanjos pelo bar, mas com menos closes em seus atributos e um texto direcionado a mulheres.  Feministas apontarão (com razão) que a objetificação da mulher continua, mas é fato que nem Verão chegou a 2016 ilesa a um movimento que pede por mudança na representação da mulher que toma a publicidade.

- É sutil, ainda está no meio do caminho, mas dá para ver evolução até mesmo na Itaipava.  No Brasil, a cerveja talvez seja o produto em que a mudança da figura da mulher nas propagandas tenha sido mais evidente.  Na Brahma, a campanha de Ano-Novo trabalhou as mulheres com naturalidade, na da Skol Ultra, dos atletas de ocasião, também.  Isso aconteceu depois de um ano de mulheres batendo na tecla de que também bebem cerveja e que se sentem desrespeitadas ao serem tratadas como os enfeites do bar – avalia a publicitária Nana Lima, uma das sócias do Think Eva.

  

“Irmã mais nova” da ONG Think Olga, a Eva presta consultorias a marcas interessadas em trabalhar a questão da valorização da mulher, tanto da porta para dentro quanto no discurso para o público.  A iniciativa coincide com a popularização do femvertising.  O termo cunhado em 2014 combina as palavras “female” (feminina) e “advertising” (propaganda) e se refere a comerciais voltados ao empoderamento da figura da mulher.  Se não por meio de um discurso direto, simplesmente usando figuras femininas que fujam a estereótipos.

 

No meio publicitário, o último degrau de reconhecimento veio no Festival de Cannes de 2015, quando um troféu inédito – o Leão de Vidro, criado para premiar trabalhos que promovam mudanças sociais – foi para uma campanha indiana chamada Toque no Picles.  A peça, de uma m arca de absorventes, estimulava meninas a desrespeitar a tradição local de não mexer em compotas quando estão menstruadas, para não estragar a conserva.  Mulheres menstruadas podem fazer de tudo, inclusive encostar no picles.

 

No Brasil, embora campanhas contra estereótipos como A Real Beleza, da marca de cosméticos Dove, já tenham passado dos 10 anos, o femvertising ainda é incipiente.  Limitado a mudanças de discurso em marcas já direcionadas a mulheres.  É o caso da Avon, por exemplo, que transformou revendedoras em modelos na campanha A Beleza que Faz Sentido, e da Quem Disse, Berenice?, em que mulheres riscam com batom os “nãos” de frases como “Ser chefe não é pra mim” ou “Pagar a conta não é pra mim.”

- É difícil aparecer em comerciais cenas espontâneas que quebrem estereótipos, como uma mulher chefiando uma reunião, ou um homem cozinhando.  Existe uma expressão em inglês que diz “Você não consegue almejar o que você não enxerga”.  Acho que a importância do empoderamento da mulher na propaganda é por aí – aponta Nana.

  

A preocupação inicial, conforme Nana, ainda é não pisar na bola com um público cada vez mais atento.  Não repetir crises como a enfrentada pela cerveja Skol, quando aconselhou mulheres a “deixar o não em casa” no último Carnaval, ou a Always, de absorventes, que foi infeliz ao fazer uma campanha trocadilhesca contra vazamentos íntimos na internet.  Logo a Always, aplaudida no Exterior pela campanha Like a Girl, na qual discute por que “como uma garota” se tornou um termo pejorativo.

 

Para Ana Cortat, chefe de estratégia da agência Pereira Et O’Dell, “o que vão dizer de mim no Facebook” não pode ser a preocupação final de uma marca em questões socialmente relevantes, como a igualdade de gênero:

- Como toda indústria, a publicidade também precisa discutir seus resíduos e pegadas na sociedade.  Cada vez que uma campanha mostra uma mulher de forma pejorativa, talvez não pegue mal, mas legitima esse tipo de comportamento.  Quando opta sempre por uma modelo jovem, branca e magra, aumenta um abismo de representação em relação às mulheres do Brasil.  Estamos falando de comportamentos que parecem normais durante muito tempo.  É preciso uma agenda para mudar esse modelo mental.

 

O tal abismo de representação está no nome do coletivo 65/10, criado pelas publicitárias Larissa Vaz, Maria Guimarães e Thais Fabris: o primeiro número corresponde aos 65% de mulheres que declaram, em pesquisa recente do Instituto Patrícia Galvão, não se sentir representadas em propagandas.  Enquanto o segundo se refere aos 10% de mulheres nas equipes de criação das agências de publicidade.  Parte dessa última minoria, as amigas uniram forças para pensar iniciativas que mexam nesses índices.

- Quando palestramos a colegas da comunicação, é frequente que eles se surpreendam com a simplicidade de algumas atitudes para reforçar a identificação.  Não colocar um limite de peso na escalação para um comercial, por exemplo.  Ou, mais simples ainda: só não alisar o cabelo da modelo – afirma Maria.

 

Outro dado que sempre arrepia os ouvintes é o de que a cada 90 minutos morre uma brasileira vítima de violência.  E o que isso tem a ver com femvertising?  Maria explica:

- Quando o corpo da mulher aparece a serviço do homem, ele é objetificado.  A primeira relação de uma pessoa com um objeto é de posse.  Se ele é seu, você faz o que quiser com ele, certo?  E se o objeto irrita, se ele não serve mais, o que você faz?  Você quebra e joga fora.  O efeito da objetificação lá no início de um comercial de cerveja, entre tantos outros, acontece anos depois, quando ele está naturalizado a ponto de ser uma das causas de um episódio de violência doméstica.

 

Além de palestras e consultorias, o coletivo firma parcerias com marcas para lançar produtos que provoquem debate.  Crentes de que “cerveja puxa assunto”, elas lançaram em fevereiro passado a Feminista, que diz praticamente isso – o nome “Feminista” – no rótulo.  Mas como assim cerveja Feminista?  Pois então, não parece inevitável uma conversa sobre o assunto ao deparar com essa garrafa no meio da mesa?

 

Outras sacadas virão em 2016, elas asseguram.  Por quanto tempo, não se sabe.  O femvertising é apenas uma faceta de toda uma onda de discussões em torno do empoderamento feminino.  Ainda assim, a publicidade já parece estar no ponto em que é impossível voltar ao que era antes.  Em 2006, uma cerveja lançou uma peça publicitária com um bebedor rente ao chão, para que a mulher se debruçasse para usá-lo.  Não houve reclamação alguma.  Seria possível relançá-la hoje depois de um movimento que, pelo tamanho e relevância, vem sendo chamado por especialistas de Primavera das Mulheres?

Haja Verão para tanta primavera.

 

FEMVERTISING

Mantida pelo observatório de mídia americano SheKnows, que cunhou o termo “femvertising” em 2014, a página do Facebook monitora e destaca comerciais que reforçam o talento de mulheres, passam mensagens positivas e contribuem para o imaginário de empoderamento de garotas e mulheres.  Além da fanpage, o site corporate.sheknows.com reúne iniciativas e estudos em prol da igualdade de gênero.

www.facebook.com/femvertising

www.corporate.shewnows.com

 

A REVOLUÇÃO DELAS

Realizado em parceria entre o 65/10 e o Grupo ABC, o estudo de tendências aponta dados sobre a mulher brasileira contemporânea.  A principal conclusão é: mulheres não são um nicho de mercado, são “o mercado”.  Entre outros dados surpreendentes, apareceram o crescimento de renda – 83% em 10 anos – e a liderança de 38% dos lares no país.  O estudo também evidencia gaps de representação na publicidade, como o fato de 70% das mulheres terem cabelos crespos ou cacheados, mas terem como principal alternativa de beleza o alisamento.

www.revolucaodelas.meiacincodez.com.br

 

MISS REPRESENTATION

O documentário de 2011 reúne um elenco de mulheres influentes, como a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, a apresentadora do canal CBS, Katie Couric, e a congressista norte-americana Nancy Pelosi para falar sobre a representação ofensiva das mulheres na mídia.  O filme começa com uma citação da escritora Alice Walter, autora de A Cor Púrpura: “A forma mais comum das pessoas desistirem do seus poderes é achando que não têm poder algum”.  Dá para assistir, na íntegra e legendado, no YouTube.

http://www.filmesdetv.com/miss-representation.html

 

Fonte:  ZeroHora/Revista DonnaZH/Caue Fonseca em 10/01/2016